Balançou lentamente à frente da lareira, na sua cadeira de palha. As suas mãos entrelaçavam-se uma na outra, deixando mostrar as marcas deixadas pelo tempo.
Tricotava uma camisola de lã. As rugas da cara transmitiam um sorriso embevecido. Estava a tricotar para o seu neto, assim como já o tinha feito
para a sua filha. Dos seus dedos saía agora uma perícia rápida, desenfreada.
Lembrava-se de quando a sua mãe lhe dera a primeira camisola. Rosa. Destinada ao primeiro dia de escola. Levava também uma malinha castanha
com os livros que lhe pareciam bombons que se trincam para descobrir o recheio.
Parou a agulha por um momento e pousou a mão esquerda no colo. Levantou-se e alcançou a chávena de chá que arrefecia na mesa. Bebeu um
gole. Era a chávena que a sua avó lhe oferecido. "Quando eu morrer, a porcelana fica toda para ti está bem?"- dizia ela. Mas a ideia de a avó
morrer deixava-a transtornada fazendo com que ela odiasse aquela frase.
Era demasiado pequena para perceber que um dia a iria também dizer por medo de ser esquecida.
Empenhava-se agora nas mangas da camisola, enquanto olhava para a televisão a preto e branco. O seu pai costumava sentar-se na poltrona aos
Domingos com o cachimbo aceso. O eterno contador de histórias! À noite, ia ao quarto da filha e inventava reis, dragões, belas princesas, duendes e
fadas. Como ela gostava destas histórias! Também as havia contado à sua filha e agora tinha esperança que ela as contasse ao seu neto.
Acabou de tricotar a camisola. A sua respiração parou e a agulha caiu no chão, rolando. A cadeira de palha parou de balançar.
Na mesa via agora uma camisola azul tricotada cuidadosamente.
Ana Póvoa
Esta 'estória' não foi escrita por mim, foi-me passada para ler, mas eu tomei o abuso de divulgá-la, sem a devida autorização.
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