sábado, agosto 30

Diário de Um Cão

1ª semana - Faz hoje uma semana que eu nasci. Que alegria ter chegado a este mundo! - A minha mamã cuida muito bem de mim. É uma mamã exemplar.

2 meses - Hoje separaram-me da minha mamã. Ela estava muito inquieta e disse-me adeus com os olhos na esperança de que a minha nova "família humana" cuidasse tão bem de mim como ela o tinha feito até então.

4 meses - Cresci muito depressa; tudo me chama a atenção. Há várias crianças na casa que são como irmãosinhos para mim. Somos muito irrequietos; eles puxam-me pelo rabo e eu mordo-lhes a brincar .

6 meses- Hoje ralharam-me. A minha dona zangou-se porque eu fiz xi xi dentro de casa. ..mas nunca me tinham dito onde devia fazê-lo. Alem do mais durmo na cozinha e ... já não aguentava mais !!!

8 meses - Sou um cão feliz. Tenho o calor de um lar; sinto-me tão seguro, tão protegido...creio que a minha "família humana" gosta muito de mim e me considera muito. Quando estão a comer dão-me sempre um bocadinho; tenho o pátio todo só para mim e divirto-me esgravatando e fazendo buracos como os meus antepassados, os lobos, quando escondiam a comida. Nunca me educam - concerteza tudo o que eu faço está bem1

12 meses - Hoje faço um ano. Sou um cão adulto e os meus donos dizem que cresci mais do que eles pensavam. Que orgulhosos eles se devem sentir de mim! !

13 meses - Hoje é que me senti mal! O meu "irmãozito" tirou-me a bola; como eu nunca tiro os brinquedos dele, fui lá e tirei-lhe a bola. Mas como as minhas mandíbulas se tomaram muito fortes, sem querer magoei-o. Depois do susto prenderam-me ao sol com uma corrente curta, quase sem poder mover-me. Dizem que vão ter-me sob observação e que sou um ingrato...não percebo nada do que se está a passar

15 meses - Já nada é igual. ..vivo no fundo do quintal preso a uma árvore. ..sinto-me muito só...a minha família já não gosta de mim. Às vezes até se esquecem que tenho fome e sede; e quando chove não tenho sequer um teto para me abrigar .

16 meses - Hoje vieram buscar-me. Achei que a minha família me tinha perdoado.
Fiquei tão contente que dei saltos de alegria e meu rabo não parava de abanar. Até parece que me vão levar a passear. Entramos para o carro, fomos até à estrada e andamos durante um bom bocado; até que pararam. Abriram a porta e eu desci todo contente, pensando que íamos passar o dia no campo.
Sem eu perceber porquê fecharam a porta e foram-se embora. ..
Ouçam! ...Esperem! ...ladrei. ..Estão a esquecer-se de mim! ! ! Corri atrás do carro com todas as minhas forças...a minha angústia aumentava ao aperceber-me que estava quase a desfalecer e eles não paravam: tinham-me abandonado. ..

17 meses - Tentei, em vão, encontrar o caminho de casa. Sinto-me e estou mesmo perdido; enquanto vagueio encontro gente de bom coração que me olha com tristeza e me dá alguma coisa de comer. ..Eu agradeço-lhes com o olhar e do fundo do coração...quem me dera que me adoptassem...eu seria leal como nenhum outro.
Porém só dizem: "pobre cãozito. ..se calhar perdeu-se".

18 meses - Outro dia passei por uma escola e vi muitos meninos e jovens como os meus irmãozitos. Aproximei-me e alguns deles rindo-se" atiraram-me uma chuva de pedras "para ver quem tinha melhor pontaria". Uma dessas pedras acertou-me num olho e desde então já não vejo com ele.
19 meses - Parece mentira mas quando estava com melhor aspecto tinham mais pena de mim. Agora estou muito fraco e o meu aspecto piorou. ..perdi um olho. ..e as pessoas escorraçam-me quando me agacho numa pequena sombra. ..

20 meses - Já quase não me mexo. Hoje ao tentar atravessar a rua fui atropelado. Eu acho que fui por um caminho seguro, chamado "passadeira de peões". ..mas. ..nunca esquecerei o ar de satisfação do condutor que até andou de lado para me acertar. Antes me tivesse matado...mas só me deslocou a anca. A dor é terrível, as patas traseiras não me obedecem e foi com dificuldade que me arrastei até um pedaço de relva na berma da estrada. ...
Há já dez dias que estou debaixo de sol, chuva e de frio e sem comer. Não me posso mexer. A dor é insuportável. Sinto-me muito mal. O lugar onde estou é muito húmido. Parece que até o meu pêlo está a cair. Algumas pessoas passam e não me vêem; outras dizem: " Não te aproximes!".
Estou à beira da inconsciência. ..mas alguma força estranha me fez abrir os olhos; a doçura daquela voz fez-me reagir: "Pobre cãozito; como te deixaram!, dizia...Junto dela estava um senhor de bata branca que começou a mexer-me e disse: Sinto muito minha senhora, mas este cão já não tem remédio; é melhor evitar-Ihe o sofrimento. ..
Vieram as lágrimas aos olhos da gentil senhora que acenou afirmativamente. .. Como pude dei ao rabo e olhei-a, agradecendo por me ajudar a descansar.
Só senti a picada da injecção e adormeci para sempre, pensando na razão porque tive de nascer se ninguém me queria.

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